segunda-feira, 21 de julho de 2008

Padre António Vieira nas Ruinas do Carmo estreia amanhã


Vieira – O Céu na Terra
de FILOMENA OLIVEIRA e MIGUEL REAL


encenação FILOMENA OLIVEIRA
Ruínas do Carmo
22 JUL a 16 AGO
3ª a Sáb 22h00
espaço cénico e imagem ANDRZEJ KOWALSKI
desenho de luz ORLANDO WORM
figurinos ESMERALDA BISNOCA
música original e orgânica sonora DAVID MARTINS
operação e espacialização de som BRUNO OLIVEIRA
arranjos para voz ANDREIA LOPES
com
ANTÓNIO BANHA BRUNO SCHIAPPA CARMEN SANTOS CLÁUDIA FARIA
FÉLIX FONTOURA JOÃO BRÁS JOÃO LAGARTO JOSÉ HENRIQUE NETO
JÚLIO MARTIN MARQUES D’AREDE MAURÍCIO VITORIA
e FLÁVIO TOMÉ JOÃO MAIS PAULA COELHO PAULO CAMPOS DOS REIS
produção TNDM II
NO ÂMBITO DA PROGRAMAÇÃO “OUTROS PALCOS”

Sinopse
“Vieira – o Céu na Terra” trata os momentos mais importantes da vida do Padre António Vieira, o mais famoso pregador religioso português, nascido em Lisboa, em 1608, e falecido em 1697, em São Salvador da Bahia, para onde partira aos seis anos com a família.
Em Lisboa, na corte de D. João IV, no Brasil entre os colonos ou entre os índios do sertão, revela-se o homem de plurais actividades – missionário, diplomata, político, orador, profeta, escritor, nacionalista, “Vieira – O Céu na Terra” evidencia a actividade profética de Padre António Vieira e a sua intransigente defesa das profecias do Bandarra e do Quinto Império como união de todos os povos num reino cristão de justiça, amor e abundância; a actividade de pregador, como o mais insigne orador português, bem como o seu afã de justiça social, corroborado na denúncia contra o tratamento dos escravos, tratados como animais de carga, exigindo dos donos das canavieiras de açúcar um tratamento humano para os negros; na denúncia contra a exploração e escravização dos índios do Brasil promovida abundantemente pelos colonos brancos, e a sua defesa do judeu e cristão-novo. Esta última actividade tornou-o suspeito da Inquisição, tendo sido preso e condenado por este Tribunal.

Padre António Vieira. Visionário ou génio?
Longe das estantes das bibliotecas ou em pequenos excertos didácticos, não era muito fácil ter acesso à obra do Padre António Vieira.

Contudo, nos últimos anos, a situação tem-se vindo, progressivamente, a alterar. Em 1979, com Hernâni Cidade ou, alguns anos mais tarde, com Margarida Vieira Mendes, novos olhares sobre a obra de Vieira e a vida do homem que atravessou sete vezes o oceano Atlântico começaram a surgir, tais como o inesquecível filme de Manoel de Oliveira sobre o arquitecto e apologista do Quinto Império.
2008 é, por excelência, o ano do Padre António Vieira, comemorando-se o IV centenário do seu nascimento.

Graças à parceria com o Turismo de Portugal, o Teatro Nacional não podia deixar de se associar à celebração do missionário e diplomata que ficou para a História como o percursor na defesa dos direitos humanos.

No magnífico cenário das Ruínas do Carmo, Filomena Oliveira e Miguel Real constroem um espectáculo que, mais do que dar conta da vida e obra do Padre António Vieira, figura síntese da sua época, lançam uma plataforma de encontro de diferentes culturas, línguas e nacionalidades.
Grande parte da crítica tem descontextualizado Vieira, tem-lhe costurado diferentes máscaras face a uma obra pragmática e riquíssima que, ainda hoje, nos deleitamos a descobrir. Os cerca de 200 sermões, 700 cartas, tratados proféticos, escritos teológicos, políticos ou filosóficos são, contudo, próprios de um visionário que, tendo lutado por um poder português no mundo, viu, à frente do seu tempo, a imagem de um país utópico. Um profetismo genial através do qual se concebeu, em pleno século XVII, a ideia de um Império sem limites e distâncias, pronto para responder às exigências da globalização económica e social. Vieira é, sem dúvida, um autor universal que, mais do que mentor de um sentido cristão e português, criou um sentido de identidade e transnacionalidade.
Se é certo, como tão bem disse Italo Calvino, que os clássicos trazem sempre consigo as marcas das leituras que precederam a nossa, um clássico é também “uma obra que provoca incessantemente uma nuvem de discursos críticos sobre si, mas continuamente os repele para longe.” A obra do Padre António Vieira é, sem dúvida, um destes casos. Visionário ou génio, Vieira conquistou, através da palavra, a mais suprema dádiva que pode ser dada a um escritor: a intemporalidade.
Carlos Fragateiro/ hardmusica.com

A Lisboa do V Império


A peça “Vieira – O Céu e a Terra”, a ser representada este Verão nas ruínas do Convento do Carmo, privilegiou, na sua construção cénica, os ambientes brasileiros e lisboetas do século XVII. Neste sentido, participarão na peça uma personagem negra, representante dos escravos dos engenhos do Recôncavo bahiano, em cujas capelas Pe. António Vieira invectivou os poderosos senhores do açúcar, exigindo um tratamento humano para os escravos, e uma personagem índia, representante das tribos tupi, habitantes nativos do Maranhão e Grão-Pará, salvos da escravização e extinção devido ao empenho missionário de Pe. António Vieira e outros jesuítas.
É, porém, a atmosfera revolucionária da Restauração em Lisboa, que, ausente-presente, se faz sentir em “Vieira – O Céu e a Terra”. Lisboa, hoje desenhada verticalmente ao Tejo, seguia então paralela ao rio, as ruas acompanhavam os declives naturais (as colinas, os vales). Mais do que outro símbolo urbano, eram as igrejas e conventos que marcavam os lugares de Lisboa – e Pe. António Vieira proferirá partes de sermões declamados nas Igrejas das Chagas, de Conceição Velha e de S. Roque, igreja dos jesuítas. Dificilmente se daria um passo de uma rua para outra que não se deparasse com uma igreja, uma capela ou, na linha do horizonte, uma ermida. No lado oriental, a capela de Nossa Senhora da Penha velava pelos lisboetas; do ocidental, São Mamede, o santo abençoador dos rebanhos que pastavam às portas da cidade. Pela cidade, dezenas de igrejas, que nenhum bairro se sentia bairro sem que tivesse o seu santinho protector, o seu pároco particular, que baptizava os meninos, casava os jovens, consolava os adultos e amortalhava os velhos no caixão. As casas dificilmente ultrapassavam os quatro andares, todas elas com quintais, algumas com curtos jardins, cravadas umas nas outras compondo um labirinto de ruas e ruelas estreitinhas por que dificilmente passava uma carroça larga ou uma carruagem. Burros e escravos eram os grandes carregadores da cidade. Escravas carregadoras de água para as casas das suas senhoras alinhavam-se junto ao chafariz do Terreiro do Paço, encimado pela estátua de Apolo, o Belo, ou junto ao chafariz do Rossio, muito gaiteiro com a sua estatueta de Neptuno, Rei dos Mares. Do lado oriental, amontoavam-se frente ao Chafariz-d’El-Rei, à embocadura de Alfama. Daqui eram também as naus abastecidas de água, em barricas, não raro carregadas por antigos escravos mouros. O povo miúdo da Mouraria abastecia-se no Poço do Borratém, à entrada da Rua da Madalena, para onde, à noite, caminhavam os pés dos senhoritos finos, contemplando os tornozelos trigueiros das muy guapas espanholitas do teatro no Pátio do Borratém. Nestor, escravo acompanhante de Pe. António Vieira, extasia-se com o movimento de Lisboa como capital do Império, mas sente falta das mulatas da sua Bahia.
Pelo meio da manhã, negras calhandreiras atravessavam Lisboa com as calhandras (ânforas ou potes) à cabeça recolhendo os dejectos dos lisboetas, dirigiam-se em magotes esforçados para a zona da Boavista (perto do actual Cais do Sodré), nos limites ocidentais da cidade, a despejar os seus potes no Tejo. De Alcântara a Monte Santo, o vento inchava umas nuvens de poeira amarelácea, que a brisa húmida do Tejo encorpava sobre a cidade, eram as pedreiras de Alcântara que abasteciam as obras de Lisboa, nelas trabalhavam escravos comprados nos mercados de Marrocos, antigos presos condenados às galés, embarcadiços caídos em desgraça


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