terça-feira, 6 de maio de 2008

Maio 68 no Instituto Franco-Português


“MAIO DE 68 NO CINEMA”

Instituto Franco-Português

5 a 9 de Maio 2008


De 5 a 9 de Maio de 2008, o Instituto Franco-Português propõe-lhe uma viagem em imagens ao coração de Maio de 68 e a descoberta de documentários e obras de ficção, na sua maioria, inéditos em Portugal.

Muitos dos filmes propostos são emblemáticos do “cinema militante” francês e do “cinema directo” europeu.

Para falar das suas experiências e/ou comentar os filmes temos a honra de contar com a presença de Jacques Loiseleux (dias 5 e 6) director de fotografia que participou activamente nos movimento e Integrou o Grupo Medvedkine e o colectivo SLON,; Rui Simões (dia 7), cineasta português que também participou nos acontecimentos; Romain Goupil, realizador, que teve também parte activa no movimento (dia 9); Luís Miguel Oliveira, crítico e programador da Cinemateca (dia 8) e Augusto M. Seabra, sociólogo e crítico (dia 9).


Costuma dizer-se que o cinema antecipou o Maio de 68 devido ao “caso Langlois”.

Meses antes de os estudantes terem ocupado o Quartier Latin e das primeiras greves nas fábricas, os realizadores multiplicaram-se em manifestações de apoio ao director da Cinemateca, que entrara em rota de colisão com o Estado.


Para muitos, seria um ensaio geral da mobilização da comunidade cinematográfica francesa.

Mais tarde, veio a interrupção do Festival de Cannes e a organização dos Estados Gerais do Cinema, onde se debateram novas formas de organização da indústria cinematográfica, novas formas de relação com o Estado e, acima de tudo, com o público.

Visto como instrumento de intervenção política, o cinema feito em, ou sobre, Maio de 1968, não deixou de reflectir e até mesmo incorporar as formas de militância política da época. Assim, foram comuns não só os filmes assinados por colectivos de realizadores, mas também as colaborações com os próprios protagonistas dos acontecimentos mais marcantes do período: os estudantes e os trabalhadores em greve.


Um dos primeiros colectivos e um dos mais activos durante este período foi o SLON (Société de Lancement des Oeuvres Nouvelles), de que mostraremos LOIN DO VIETNAM, paradigma do cinema militante dos anos sessenta.

Foi ainda a partir do trabalho deste colectivo que surgiu uma das experiências mais interessantes e mais marcantes do cinema feito em colaboração com operários – os grupos Medvedkine –, de que mostraremos igualmente uma obra fulcral: CLASSE DE LUTTE.

Jacques Loiseleux, um dos maiores directores de fotografia franceses (Pialat, Godard, Ivens, Garrel...), participou activamente naquele movimento e dá-nos a honra de estar connosco para falar da sua experiência.

Um dos cineastas mais activos durante o período foi, sem dúvida, Jean-Luc Godard, que se empenhou na realização de diversos Cine-tracts (pequenos filmes de três minutos feitos à imagem dos agitki soviéticos dos anos vinte de que mostraremos alguns exemplos na abertura de todas as sessões do ciclo) e ainda de várias obras de ficção mais conhecidas como LA CHOINOISE e TOUT VA BIEN.

Para este ciclo, escolhemos um filme de Godard inédito em Portugal e que é uma das reflexões cinematográficas mais radicais sobre o Maio de 68, questionando as efectivas “conquistas sociais” daquele movimento.

Em 1998, UN FILM COMME LES AUTRES foi escolhido por Jean-Marie Straub e Danièle Huillet como o melhor jamais feito sobre o Maio de 68.

Para lá dos documentários feitos durante os acontecimentos, muitos outros filmes continuariam a questionar as consequências do Maio de 68 e a trabalhar as memórias individuais e colectivas daquela experiência. L’AN 01, realizado em 1973, é uma obra colectiva que questiona retrospectivamente, e com uma grande dose de ironia, as expectativas geradas pelas transformações sociais experimentadas em Maio de 1968.

MOURIR À TRENTE ANS (Romain Goupil, 1982) e LES AMANTS RÉGULIERS (Philippe Garrel, 2005), por seu lado, exploram memórias pessoais do Maio de 68 através de tratamentos cinematográficos absolutamente distintos e que, embora sujeitos a contaminações várias, se podem aproximar, respectivamente, do território do documentário (no primeiro caso), e da ficção (no segundo).

No campo mais tradicional do documentário, tanto LIP, L’imagination au pouvoir (Christian Rouaud, 2007) como Reprise (Hervé Le Roux, 1997) abordam a herança do Maio de 68 junto dos seus principais protagonistas, dois grupos de operários envolvidos em algumas das greves mais emblemáticas dos anos sessenta e setenta.

Trabalhando aquilo que talvez se pudesse chamar a “memória colectiva do operariado francês”, cada um dos filmes é um gigantesco ensaio de balanço sobre o que representou a participação nos acontecimentos de 1968 para aqueles trabalhadores, sobre o lugar que esses acontecimentos ocupam no seu imaginário social e político, e sobre o modo como, ao longo do resto da sua vida, continuaram a relacionar-se com a memória daquela luta política.


PROGRAMA


Segunda-feira, dia 5, 21:30

Loin du Vietnam do colectivo SLON, 1967.


Feito sob o slogan “o Vietname está nas nossas fábricas”, esta primeira obra do colectivo SLON via nos conflitos laborais franceses uma expressão local do combate global contra o imperialismo. Na perspectiva dos realizadores (Joris Ivens, William Klein, Claude Lelouch, Chris Marker, Alain Resnais, Agnès Varda e Jean-Luc Godard), as greves nas fábricas francesas não diferiam muito, pelo menos nos objectivos, da guerrilha travada do outro lado do mundo, no Vietname, contra o agressor imperialista norte-americano. O filme foi mostrado pela primeira vez na fábrica Rodhiaceta, onde tinha sido rodado A bientôt, j’espère, realizado por dois membros do colectivo SLON. «Se alguma vez um filme francês mereceu o nome de filme colectivo, é este, ao ponto de, mesmo durante a sua elaboração, acontecer que nos interrogássemos sobre quem fazia o quê.» Chris Marker, Télérama.


Terça-feira, dia 6, 19:00

A BIENTOT, J’ESPERE de Chris Marker e Mario Marret, 1967. Duração: 43 min

CLASSE DE LUTTE do Grupo Medvekine de Besançon, 1969. Duração: 37 min.


Em 1967, a grande greve da Rhodiaceta, em Besançon, traduziu-se por uma longa ocupação da fábrica e teve a originalidade de dar um destaque especial às reivindicações culturais dos operários. Para lá das questões estritamente laborais e salariais, a defesa da importância da leitura, das exposições de pintura e das sessões de cinema colocava em causa todo o modo de vida dos trabalhadores, sujeitos a uma rotina fabril desumana e degradante. Realizado por Chris Marker e Mario Marret, o filme foi difundido em Fevereiro de 1968 na televisão francesa.

O título A bientôt, j'espère («Até breve, espero») foi tomado da promessa lançada por um grevista aos patrões no plano final do filme, olhando directamente a câmara, frase interpretada a posteriori como um desafio premonitório... A bientôt, j’espère seria, porém, objecto de críticas por parte dos operários que não se reconheceram na visão demasiado “romântica” de Chris Marker. O colectivo SLON colocou então os seus equipamentos à disposição dos operários e ensinou-lhes os rudimentos da técnica cinematográfica através de aulas práticas de imagem (Bruno Muel, Jacques Loiseleux), som (Antoine Bonfanti) e montagem (Jacqueline Meppiel) dadas nas próprias fábricas. Nascem assim os colectivos Medvedkine, primeiro em Besançon e depois em Sochaux.


Classe de Lutte foi o primeiro filme realizado pelos operários do Grupo Medvekine de Besançon. O documentário acompanha a criação de uma delegação sindical da CGT numa fábrica de relógios, primeiro acto de militância política de Suzanne, uma operária. O filme divide-se em duas partes: um dia de greve na fábrica Yema em Maio de 1968 e uma entrevista com Suzanne, um ano mais tarde. A operária conta como conseguiu mobilizar as outras mulheres da empresa, as suas dúvidas em relação à própria greve e aos resultados da mesma, bem como todas as resistências e desconfianças que teve que enfrentar. A luta política na primeira pessoa… Terça-feira, dia 6, 21:30Les LIP, l’imagination au pouvoirde Christian Rouaud, 2007. Duração: 118 min. A história começa a 17 de Abril de 1973, na fábrica de relógios Lip, emPalente, na periferia de Besançon. Outrora uma empresa próspera, a Lipencontrava-se então nas mãos de novos proprietários que preparavam um planode despedimentos catastrófico para os operários. A resistência organizadapelos trabalhadores deu origem a um movimento de luta incrível, que durouvários anos, mobilizou multidões em França e na Europa, multiplicou asacções ilegais sem ceder à tentação da violência, apoiando-se na democraciadirecta e numa imaginação incandescente! «Como é que um documentário se pode transformar num filme de acçãoemocionante, numa epopeia digna de John Ford, num filme de sábado à tarde?Este filme formidável responde em três palavras: história, personagens emontagem. Esta epopeia permaneceria desconhecida, pelo menos no cinema, sem a presença dos humildes reformados da Lip que, neste filme, voltam a ser osprotagonistas dos acontecimentos fabulosos de há trinta anos. O calor dasreuniões, a organização de redes clandestinas, o sentimento de improvisarquotidianamente a utopia, são momentos que fazem deste filme uma aventurahumana extraordinária.» Jacques Mandelbaum, Le Monde. Quarta-feira, dia 7, 19:00L’AN 01de Jacques Doillon, Alain Resnais e Jean Rouch, 1973. Duração: 87 min. Sátira da sociedade de consumo organizada como uma série de pequenas sequências independentes, L’An 01 pretendia “fazer pensar, mas também sorrir e mesmo rir” (Jacques Doillon). A partir das quinze horas do “ano 01”, o mundo inteiro declara o capitalismo obsoleto e tem início uma nova era da humanidade, livre de dinheiro, de propriedade privada, de exércitos e de governos. Os passeios das cidades dão lugar às hortas e aos jardins, em Wall Street verifica-se uma onda de suicídios sem precedentes e as lojas são transformadas em museus…


Quarta-feira, dia 7, 21:30

LA REPRISE DU TRAVAIL AUX USINES WONDERde Jacques Willemont e Pierre Bonneau, 1968. Duração: 10 min.

REPRISE de Hervé Le Roux, 1996. Duração: 190 min.


Em Junho de 1968, dois estudantes de cinema filmaram o desespero de uma operária que recusava retomar o trabalho após várias semanas de greve.

À porta da fábrica Wonder em Saint-Ouen, na periferia de Paris, um delegado sindical e alguns colegas tentam, em vão, convencê-la a entrar.

Reconhecido como uma das melhores e mais incisivas obras de todo o cinema militante e sobre o Maio de 68 em particular este pequeno filme foi o ponto de partida, décadas depois, para o documentário de Hervé Le Roux.

Sob o pretexto de tentar encontrar aquela operária, Le Roux procura e entrevista vários antigos colegas dela, os dois estudantes de cinema e outros participantes no filme de 1968, que mostra a todos eles.

As imagens desencadeiam recordações e delas nascerá um retrato formidável da condição operária e da vida numa fábrica dos arredores de Paris durante os anos sessenta. «No princípio, é uma foto, numa revista de cinema.

Um fotograma. A imagem de uma mulher que grita. Depois, um título, "O regresso ao trabalho nas fábricas Wonder". O filme foi rodado por estudantes do IDHEC a 10 de Junho de 1968, nas fábricas Saint-Ouen.

Vêem-se operárias que retomam o trabalho após três semanas de greve. E esta mulher. Que ali fica. E que grita. Grita que não retomará o trabalho, que já não quer mais a sujidade, as cadências, o "desprezo" daquela "prisão"... Os anos passaram.

A fábrica está fechada. Mas eu não consigo esquecer o rosto daquela mulher. Decidi procurá-la. Ela tinha tido, então, uma única tomada de imagem. Eu devia-lhe uma segunda...»Hervé Le Roux


Quinta-feira, dia 8, 19:00

UN FILM COMME LES AUTRES de Jean-Luc Godard, 1968. Duração: 100 min.


«Num terreno vazio, entre blocos de apartamentos suburbanos, um grupo de operários e de estudantes, sentados na relva e fumando como chaminés, tenta tirar, algumas semanas depois, as lições do que aconteceu durante Maio de 68 e, mais precisamente, do que não aconteceu na relação operários-estudantes durante aquela “revolução falhada”.

O assunto do filme de Godard é, em primeiro lugar, a palavra viva deles, com todas as suas hesitações, impasses, avanços, recuos e ingenuidades, mas uma palavra que ainda não foi esmagada, como viria a sê-lo, pouco depois, por um discurso dominante. (…)

Como contraponto, imagens de Maio de 68: batalhas de rua, a ocupação da Sorbonne, assembleias gerais, barricadas e cargas da polícia de choque. (…)

O mais surpreendente, na relação entre estas duas séries de imagens, é que as de Maio de 68 parecem vir de uma época distante, que envelheceu terrivelmente, enquanto que as de Godard não estão muito longe de nos parecerem actuais.» Alain Bergala, Cahiers du Cinéma.


Quinta-feira, dia 8, 21:30


Les amants réguliers de Philippe Garrel, 2005. Duração: 178 min.com Louis Garrel, Clotilde Hesme, Eric Rulliat, Julien Lucas, Nicolas Bridet, Mathieu Genet, Raïssa Mariotti, Caroline Deruas-Garrel, Rebecca Convenant


François tem 20 anos em Maio de 1968, tempo de revoltas estudantis em França. Os dias, as noites de Maio em Paris. Há cargas policiais sobre as barricadas construídas pelos jovens. É aí que pela primeira vez se cruza com a muito bela Lilie. Perseguição nos telhados, é encurralado, mas consegue escapar às malhas da polícia de choque. De manhã, sente que viveu uma guerra civil. François e os seus amigos estão no apartamento de Antoine, rapaz burguês muito rico, herdeiro de um pai que morreu muito novo. François escreve, é um poeta não publicado, com os seus amigos, artistas e estudantes. São uma dezena, têm entre 20 e 25 anos: fumar haxixe, a descoberta do ópio, mudar de vida, as festas, as miúdas... Lilie reaparece uma noite. O desejo de revolução é forte. Mais forte ainda o amor que vai nascer entre François e Lilie. Maio de 68 – o ano de 69 – Paris, a Europa, a juventude, tentações e perigos, tudo se mexe muito, ou demasiado rápido. A vida de um grupo – o seu fim – a revolução que se apaga... E o primeiro grande amor a morrer... Vencedor do Leão de Prata – Prémio Melhor Realizador no Festival de Veneza em 2005.


Sexta-feira, dia 9, 19:00


LE DROIT À LA PAROLE de Michel Andrieu, 1978. Duração: 52 min.


O documentário de Michel Andrieu mostra como o diálogo directo entre os estudantes e os operários durante Maio de 1968 remeteu para segundo plano o papel tradicional dos partidos e dos sindicatos na luta política. Filmado entre as universidades e as fábricas em greve, mas montado uma década após os acontecimentos, Le droit à la parole é um documento excepcional sobre as novas formas de luta que marcaram o Maio de 68 e toda uma geração de militantes políticos.


Sexta-feira, dia 9, 21:30


MOURIR A TRENTE ANS de Roumain Goupil, 1982. Duração: 95 min.com Roumain Goupil, Michel Recanati, Alain Bureau, Jacques Kébadian, Maurice Najman, Henri Weber


Em 1978, o suicídio do seu amigo Michel Recanati levou o realizador Romain Goupil a interrogar o passado comum de ambos como militantes de extrema-esquerda.

Dos tempos do liceu à rejeição do partido comunista e das barricadas de Maio de 68 ao exílio no estrangeiro, Mourir à trente ans é não só o retrato íntimo de um amigo próximo, mas também um retrato geracional e uma reflexão sobre uma certa forma de fazer e de viver a luta política. Montando imagens rodadas durante um longo período de tempo, o filme de Goupil permite compreender, a partir do seu interior, quinze anos cruciais da história da esquerda francesa, antes e depois de Maio de 1968.

Mourir à trente ans conquistou o prémio Caméra d’Or para a melhor primeira obra no Festival de Cannes em 1982.

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