quarta-feira, 5 de setembro de 2007

SÉRGIO POMBO NO CONVENTO DAS MÓNICAS




DESENHO
de Sérgio Pombo

A partir de 7 de Setembro no Convento das Mónicas (ao Largo da Graça)





Enquanto estiverem instalados no Convento das Mónicas, os Artistas Unidos manterão um espaço dedicado às artes plásticas. Esta actividade prolonga aquilo que foi realizado no Teatro Taborda onde expuseram artistas como Álvaro Lapa, Pedro Chorão, Pedro Proença, Xana, Sofia Areal, Sérgio Pombo, Ana Isabel Rodrigues.


SOBRE SÉRGIO POMBO

Sérgio Pombo cria um espaço minado em seu redor e em nosso redor, move-se obrigando o nosso olhar ao mesmo exercício de perícia, cautela e exorcização do medo.
João Pinharanda


COM A RAPIDEZ DAS ESTRELAS CADENTES, FULGURANTES

Às vezes aparecem figuras, homens, mulheres, um dorso, uma perna, pernas. Às vezes, muitas vezes, o dorso desfaz-se na paisagem que não sei se é paisagem se é vazio, esvai-se, há uma luz talvez branca que as rasga, as corta, as personagens confundem-se com a parede – ou o nada – e esbatem-se alguns dos objectos soltos, isolados, dançando a dança dos satélites naquelas que seriam naturezas mortas, não fosse a pintura de Sérgio Pombo sempre tão viva, tão escandalosamente viva e nua, tão rasgada pela tinta fresca, imanência dessa liberdade que tem de pintar lembrando, vendo pela ponta dos dedos, táctil, vendo como quem modela, pintando como quem espalha o desalinho na noite da casa.
Foram sempre feitas nesta noite, desarrumadas ainda agora, as pinturas de Sérgio Pombo e, por mais antigas que sejam, mais juvenis, mais seguras pelo ensino dos seus mestres, ele, que aprendeu com professores e deles herdou gosto e técnicas, ele, que, novito, frequentava os maiores e os via, no desarrumo dos ateliês e das noites, ansioso por atirar ao mundo a sua tinta crua, ele que agarra no papel ou na tela mais do que a pinta, agarra com garras de que a tinta é resto, parece sempre que esteve acordado toda a noite e que ainda são de ontem estas imagens, venham elas dos anos 60, dos 80 ou de ontem ainda, sangrando sempre a sua intensidade vibrante.
Há este estranho espelho no Sérgio, qualquer trabalho que dele vejo, magoado ainda pelas nódoas da vida, é sempre a última coisa, a mais sincera, a mais dorida que nos contou, rindo talvez, nu, exposto, homem sem máscara que se desprende do saber e inventa, teima.
E talvez seja esse o seu segredo raro: cada trabalho do Sérgio é de hoje, ainda traz o bulício desta noite, a sua nuvem incerta, o seu silêncio, ainda estas sombras são as sombras negras da noite de ontem, o canto – lancinante, que ele tem esse condão, de nos fazer chorar – parece ter começado agora mesmo, há uma insolente adolescência que fica para sempre na sua pintura convulsiva.
Parecem não ter passado, serem de ontem apenas os seus trabalhos.
Nada mais falso, há no Sérgio um saber trespassado por gerações de pintura, ele compõe, pinta, inventa as formas com o saber transmitdo por séculos, há nele toda uma história transmitida de boca em orelha, no convívio vivido dos pintores e das tintas. Mas o que ele consegue, é, e isso é raro, é, livre, lutar para que tudo pareça começar aqui, mesmo aqui, nestas costelas que sublinha com a veemência de um vermelho, nesta pele que parece arrancar, nestas personagens solitárias, nuas, tão nuas, desfazendo-se, desfeitas na memória, emergindo apenas, submersas, lembradas, esquecidas, nestes rostos que três pinceladas de cinzento desferem contra a visão, desfoque, movimento, contorsão, espasmo.
Chamaram-lhe expressionista, chamaram-lhe selvagem, chamaram-lhe alemão, tinha-lhe chamado hiper-realista, ácido, interrogativo, destrutivo, é tudo verdade, mas são nomes feitos e a pintura de Sérgio Pombo está sempre naquele momento cru em que se está a fazer, cheira ao momento presente, cheira a tinta, essa humidade.
À medida que o tempo avança e as modas caducam, Sérgio Pombo, que viu ruir a pintura académica, que viu morrer o saber das escolas, que viu voltar a cantar o canto selvagem das desabridas cores, o Sérgio, que, noite após noite, vive pintando, pinta vivendo, mancha a tela, rasga-a com a espessa tinta dramática de uma primeira vez.
Tudo, promete, é sempre novo e acaba de sair do estúdio de todas as noites.
Os acordes selvagens de alguma música moderna, jazz, Stravinsky ou o rock brutal, até, recomeçam aqui, mas tudo é novo, a tinta tem sempre a dor da primeira vez e tudo se passou tão depressa, tão vibrantemente depressa que a antiquissima ambição dos pintores, pintar antes de se sumir a nuvem, pintar a luz da única hora, saber que nada é o mesmo daqui a um minuto, parar o tempo, é nele dado conseguido: ele é o instante de toda a nudez, sabe que as horas passam e não há tempo para esperar, pinta, como os antigos romperam, pinta prestamente, presto, prestissimo.
E os velhos venezianos da prestura abriram-lhe as portas, eles que, cego Ticiano ou amargurado Tintoretto, desfizeram a ilusão em nome do movimento.
Vem de longe e de muitas destruições o gesto recomeçado de Sérgio Pombo – e o seu incrível saber das cores que se acumulam, planos e cores, linhas e manchas, cores que usa com o esplendor dos barrocos, sem temor.
A tremenda força realmente erótica da sua pintura virá desta presença desencarnada, encarnada, descarnada: é feroz a nudez das suas personagens, atravessadas por pincéis velozes, desgovernados, cintilantes, tumultuosos.
E a estranha melodia daqueles espaços vazios, que vão de um corpo a outro, que se escondem, que se atiram, espaços onde a figura se funde, a triste, estranha tristeza e melodiosa daqueles papéis onde só um triângulo, às vezes um esguicho de tinta, uma forma inacabada, às vezes um outro triângulo, um corpo, joelho, nádegas, peitos, sexos, costas, dorsos, colunas, vértebras.
Só os amantes sabem o que é a nudez dos corpos, ranho, esperma, suor, pele, sangue, ferida, crostas.
E é essa nudez, cintilando na brutal colisão destas tintas, essa vida berrada, ciciada, apagada, poluída, ensombrada, desfeita, cama, corpos, quem poluiu estes lençóis, quem deixou vazio este papel, quem retirou a vida a estas sombras perplexas, atónitas, quem matou, se a vida, essa escandaleira, persiste, suja e esplendorosa, gritantemente afirmada, quem separou os sexos – e dói-nos esta separação –, quem nos atravessa tão depressa, cometa, raio, luz, tinta branca, mão talvez, outro corpo na noite.
Não há no Sérgio Pombo o gosto domingueiro da pintura afiambrada, ele é indomável, sozinho, franco, tão franco, tão sozinho - e insistindo na ferocidade.
E porque encontrou a passagem subtil entre o desenho e a pintura, fez tábua rasa das doutrinas que tudo separavam, avançou, pintou, pintou tanto, desenhou, encontra a mancha, a linha, o papel, a tinta, tudo lhe serve para pintar e ele pinta como quem martela, hercúleo, trágico, desprovido do saber que sabe, pois, para ele, o instante luz ainda, brilha a verdade crua, tão desavergonhada, tão perto da impudícia, verdade jubilatória, voluptuosa.
A pintura de Sérgio Pombo – pintura, desenho, com figuras ou sem, a pintura que nele tudo é pintura, irredutivelmente pintura – é tão brilhantemente viva que ofusca, é tão desassombrada que nos assalta o equilíbrio, sofre, “o dia em que nasci morra e pereça”, dizia Job, amaldiçoa-nos – mas promete-nos o humano, o humano presente, o humano simplesmente, a vida de hoje, esta, sufocantemente bela na sua crueza rápida, na sua imensa solidão.
Porque Sérgio Pombo, com a rapidez das estrelas cadentes no céu de todas as noites, persegue a beleza, promete-nos que ela aí vem, está a chegar, voluptuosa, fulgurante, escandalosamente nova, de ontem à noite sempre, nua ainda.
Jorge Silva Melo

O VOO DA COR NO BRANCO DA MEMÓRIA

Pode ser o desenho a atiçar o fogo: a linha que encontra o lume, e explode numa e noutra direcção, até chegar a um filtro de tapeçaria que a fixa na sua teia. Sérgio Pombo, de Colónia a Lisboa, estende esse triângulo místico por cuja fresta se espreita um horizonte de incêndio; mas logo a nuvem das imagens desce o seu peso de equilíbrio, fazendo subir o prato das figuras, onde a fragmentação instala a sua lógica até chegar à ordem do segmento. E assistimos a esse jogo em que o papel suga pedaços do quotidiano, juntando-os sob a forma da colagem, mas libertando-os ao mesmo tempo da sua efemeridade. De um lado, esses restos do contemporâneo denunciam a perda, o sentido frágil do mundo, a inutilidade das coisas por que passamos, e que deixamos que passem por nós; por outro lado, um brilho de espelho capta o voo do sonho, perfis ou apenas sugestões, e deixa-nos imaginar o que, de Colónia a Lisboa, permanece, mesmo que apenas sob esta forma políptica, para que reconstituamos os lapsos e os tempos do humano.
Nuno Júdice


SÉRGIO POMBO
Nasceu em Lisboa em 1947.
Vive e trabalha em Lisboa.

FORMAÇÃO
Estudou pintura com Roberto Araújo. Frequentou vários anos os cursos de gravura da Cooperativa de Gravadores Portugueses – Gravura (1965166187).
Curso de Pintura da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa (1972).
Bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian de 1976 a 1979 em Portugal e de 1992 a 1993 na Alemanha.
Viveu e trabalhou na Alemanha de 1991 a 1993.

PRÉMIOS E REPRESENTAÇÕES OFICIAIS
1980 – Representação Nacional no Festival de Pintura de Cagnes-sur-Mer.
1992 – Representação Nacional na XII Bienal de Paris.
1984 – Representação Portuguesa à 18.8 Bienal de 5. Paulo.
1981 – Prémio Nacional de Gravura.
1983 – Prémio de Gravura do Banco de Fomento Nacional.
1984 – Prémio de Aquisição de Lagos.

EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS (selecção)

1973 – Galeria de 5. Francisco, Lisboa.
1977 – Galeria Diagonale, Paris.
1978 – Galeria de Arte Moderna S.N.B.A., Lisboa.
1983 – Galeria Diagonal (escultura), Cascais.
1984 – Galeria Cómicos, Lisboa 1 Galeria Quadrum, Lisboa.
1986 – Altamira, Lisboa.
1987 – Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa 1 Galeria Quadrum, Lisboa.
1988 – Loja de Desenho, Lisboa.
1990 – Galeria Alda Cortez, Lisboa.
1992 – Galeria Giefarte, Lisboa.
1994 – Galeria Giefarte, Lisboa.
1997 – Galeria Trem, Faro.
1999 – Galeria Edicarte, Funchal.
2000 – Galeria Reverso (escultura), Lisboa.
2001 – Fundação Calouste Gulbenkian –C.A.M. Lisboa (pintura)

COLECÇÕES ONDE ESTÁ REPRESENTADO

Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian
Ministério da Cultura
Museu de Arte Contemporânea
Caixa Geral de Depósitos
Parlamento Europeu
Numerosas colecções privadas
Numerosas colecções colectivas

Nos Artistas Unidos

2005 – A NOITE ALEMÃ E OS OUTROS DIAS – Teatro Taborda

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