quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Aquilino Ribeiro muda de "casa"

Autor peninsular, Aquilino pertence agora à História.


Prosador dos mais virtuosos da língua portuguesa, com uma concepção épica da terra e do ser humano que o conduzirá, nas palavras de Vitorino Nemésio, "ao surto épico do estilo", Aquilino Ribeiro (1885-1963) chega hoje ao Panteão Nacional de Santa Engrácia.

Os restos mortais do autor d' OMalhadinhas (disponível também a partir de hoje nas livrarias numa reedição da Bertrand, que lançou recentemente A Casa Grande de Romarigães) saem, às 10.00, da capela do Cemitério dos Prazeres, em cortejo automóvel. A entrada far-se-á pelo Campo de Santa Clara, do lado nascente de Santa Engrácia, monumento do Barroco Português.

À cerimónia assistirão o presidente da República, Cavaco Silva, o primeiro-ministro, José Sócrates, o presidente da Assembleia da República (AR), Jaime Gama, para além de representantes dos outros orgãos de soberania, Supremo Tribunal de Justiça e Tribunal Constitucional, e ainda familiares do homenageado e outros convidados.

Sessenta e nove livros publicados, entre os quais 17 são romances, Aquilino Ribeiro é escritor de diversos géneros, da biografia à polémica, das memórias ao jornalismo, da crónica à literatura infantil.
Herdeiro do cepticismo de Voltaire e do epicurismo de Anatole France, o autor de Quando os Lobos Uivam - que lhe valeu um processo-crime por delito de opinião, e provocou sérios engulhos ao regime de Salazar (ler prefácio de Mário Soares ao livro Em Defesa de Aquilino, de Alfredo Caldeira e Diana Andringa, editado pela Terramar) -, é um beirão das terras do Demo, tão manso quanto bárbaro, terno quanto feroz, fradesco, libertário, rústico e citadino.

A sua obra condensa, de facto, todo um material linguístico vigoroso, pícaro, bem fiel ao espírito peninsular e aberto ainda, como salienta Urbano Tavares Rodrigues, ao canto panteísta.
Muitas objecções se lhe levantaram por ser um escritor difícil e não é coisa dos novos tempos.

Óscar Lopes, historiador da literatura e ensaísta, diz, porém, que, apesar da frasealogia correntia, Aquilino só se pode ler de dicionário ao lado: "Há, é verdade, nele, a fuga ao termo e ao giro frásico já muito impressos," o que não impede que "se não estivermos divorciados do povo rural", meçamos o alcance do vocabulário.

Helena Buescu, catedrática da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa - que hoje falará, a partir das 18.00, na AR, sobre O Malhadilhas -, sublinha que "a sua vastíssima obra, que em mais do que um aspecto podemos aproximar da de Camilo, permite-nos ver passar à nossa frente um mundo que se foi perdendo, porque pertencia ao nosso passado pré-moderno, mas por outro lado permanece em muitos dos resíduos do nosso dia-a-dia."

Para o escritor Gonçalo M. Tavares, Aquilino "talvez seja um autor não muito lido actualmente". Mas, a seu ver, "a literatura não existe sem o que está para trás", fazendo-se esta de relações, mesmo se são marcadas por desvios, afastamentos ou confrontos. Se um escritor se afasta de algo é porque esse algo existe - e tem importância.

Falhado o Nobel - nessa corrida estiveram também Torga e Ferreira de Castro - a partir de hoje ninguém poderá mais colocar Aquilino na retaguarda da história.

Texto: Ana Marques Gastão
Fotos: Arquivo Hardmusica.com

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